08/04/2023
Certa vez o Professor me disse que aquele meu estágio infortúnio era, apesar de tudo, um aprendizado. Disse a ele que preferiria aprender lendo Hegel, ao que se rendeu, abriu os braços e riu.
Talvez nada além de bazófia, afinal passava semanas em meio aos livros, na biblioteca, depois em casa, de maneira austera, e nisto me inquietava a completa ausência de vida.
Por outro lado, o outro, o professor, ao perceber certo despeito meu à academia, acudiu que o mercado era bem pior. E ouço então este apelo à proatividade, à resolução, a conversa técnica e estrita, vivo as hierarquias — sinto que não há saída.
Este desassossego uno ecoa da teimosia envolvida no viver. Não me reconheço nestes vitrais exuberantes, nos mosaicos engenhosos em seu decaimento, na iminência de novo elixir do gozo, nos horizontes límpidos do futuro. A ação me é totalmente prescindível. Gostava de erguer a barriga para cima, esperar a eternidade.
O mundo é a oficina do diabo. Não adianta querer mudá-lo, exasperar-se diante do mal, da ingratidão e da doença. Mas, por ser justamente desencadeamento frio e implacável, o futuro se projeta taciturno e desolador.
Graciliano escreveu que, no lugar de volver a barriga para cima e esperar a eternidade, devia escrever sua obra. Fê-lo. A última obra. Sem fecho: o cárcere já havia sido escrito, e ele já perambulava pelas ruas, porém não houve propriamente um final. Viera-lhe a morte.
Uqbar, eis uma pasta para arrolar as pessoas que me fazem cultivar sentimento de reverência. Lá estão inclusive pessoas de meu convívio atual. Reverenciar e amar sua grandeza não me ensinam nada, embora mestres consumados. Aqueles aprendizes que copiavam exasperadamente os manuscritos de seus mestres para, íntimos e contíguos à grandeza, sorvê-la instantaneamente, tornando-se, de repente, eles, mestres, detinham algo a mais. Meus gestos de copista não passam da mecânica estéril.
Destaco, pois, a ação toda enquanto descartável, a maestria infértil, o porvir vacilante. A falta de consolo contorna sentimento de desprezo, inofensivo, é verdade, apenas a, cada vez mais, acentuar um amargor interno, quase que tangível. Este despeito me é de uma agressividade terrível.
Certa vez faziam votos, desejavam-me bons dias. Nada digo. Apenas meu desprezo — que talvez transpareça; desprezo a isto, que não me apetece, de forma alguma.