01/06/2023
Cidade sonhada a um só tempo de um frio quase que tangível e de esmagadora sensação de solidão, o relógio do poste sem os ponteiros, a carruagem de rumo desengonçado. E baixou o dia de fumaça e céu turvo, mensageiros de queimadas pelos cantos amazônicos e perturbações atmosféricas. Certamente circulam fotografias e relatos de tal incidente do dia noite, traçam um cenário assustador. Porém, a rigor, nada espetacular houvera. Embora a sombra se assomasse pelo concreto e frinchas dos edifícios, o céu plúmbeo pesasse, e aquele ar abafado opresso na garganta, tudo se desdobrava banalmente, cumpriam-se obrigações, horários, marcava-se a presença, a vontade ainda pulsava. É um cotidiano familiar, com incerto e pouco contorno de diferença de espaço e sentimento, tal qual quando estoura uma chacina, ou mesmo boatos de roubos coletivos, e pode ser até que as ruas fiquem mais furtivas, vazias, que os transeuntes vacilem, olhem desconfiados para todos os lados, rumem à lotação em grupo, um suspiro por esquina ou reminiscência. Dias do cotidiano, repetidos até que de repente ocorre algo, incontornavelmente em vestes banais. A cidade amiúde reproduz dias cinzas, basta percebê-los. Os desdobramentos da ação podem dar em espetáculo patético, maus pensamentos e amargor fermentam, toda sorte de ingratidão e abandono, mas esta mixórdia de sonho e concreto também toca vontade de grandeza, até a morte.