11/07/2023
Em meio aos fragmentos de uma noite ruim, no leito, estala o pensamento de que, de repente, deixarei de ser. Não o identifico enquanto instinto animal a faiscar alerta para a sobrevivência material do corpo. Deixarei de ser, mas não só. O ar, o espaço, as montanhas: nada. Para muito além do arco ao redor de carne e pulsação, eis a completude, a dádiva cujo ocaso não deixa sequer ruínas. Descanso, libertação? Mas, tais estados partem de seu opresso contrário, nada sendo, enfim, se se deixa de ser. O nada anula absolutamente tudo.
Ah, como repetem por aí, quase que mecanicamente, o “ser ou não ser” de Hamlet. Parece até um chiste, uma piada, um jogo de palavras, e não se chega nem a aparentar que todo mundo que o cita evoque de fato o seu real contexto, de irrequieto e sombrio questionamento alusivo ao suicídio. As questões existenciais soam sempre de maneira jocosa, deixadas de lado, tal qual postura quase sempre inadequada ao momento, quando não delegada às mãos especialistas — a partir do que se diz que a terapia está em dia, então tudo certo. E são as questões mais decisivas.
Lembro-me, pois, daqueles livros de capa dura segundo os quais a alma é irredutível, e das palavras altaneiras, dos desencadeamentos do pensamento sofisticados, costurados por mestres consumados da humanidade e criação. Pululam por aí todo tipo de vulgaridade sobre Deus e fé, e da mesma forma não pode ser que as grosseiras e incultas pregações, as demagogias e mesquinharias terrenas, sob a roupagem de crendice estridente e puída, disponham de algum tipo de simpatia divina. Antes a simplicidade do bem, as pequenas coisas e os seres que conseguem amar plenamente, em meio aos destroços de quem perdeu a vida sem morrer.