01/01/2024
A rigor, prefiro Robert Bresson a Ingmar Bergman.
Reconheço a força dramática de Ingmar Bergman, estimo a transposição do grande teatro para o cinema, aquelas atrizes e atores clássicos, a fotografia de Sven Nykvist.
Porém, ainda me inclino para a obra de Robert Bresson, unicamente por tê-la gerado desgarrada de tudo. Sinto isto no ressoar obstinado de passos dos personagens, seja em banal subir de escada, seja em errâncias por corredores, com ruídos de correntes, chaves e algemas — acima de tudo, nas expressões cruas e secas dos personagens. É difícil presenciar um grito, choro. O desespero, o engendramento do mal e a angústia são latentes, distantes. Em muitos casos não se faz questão do desfecho. Um dos filmes, por exemplo, fixa o desfecho no próprio título.
E então sinto que Robert Bresson, de certo modo, concebe inversamente sua obra, porque parte do prosaico desdobrado em devastação, do concreto, da nudez, dos desesperos surdos do cotidiano e da vida entre homens, no mundo, e abre arco para a fé, para o transcendental, sutilmente, sem pregação.
Seja como for, que espetáculo patético, o do ser humano.
Destaco com grande reverência e quase espanto a atmosfera expressiva, coesão e senso de continuidade de O Mensageiro do Diabo (1955) e de Onibaba (1964), cada qual à sua maneira. Na verdade, eis duas obras a atestar a força autônoma expressiva do cinema, como uma música, isto é, boa por si só, avulsa, dispensando até, talvez, palavras.
Por fim, que dizer de Yasujirô Ozu? Sinto que aqui se tem tudo, e não é como se tivéssemos que adentrar numa gruta rombuda, apertar por entre as mãos espinhos, o sangue a escorrer, para só então respirarmos ar puro.
Talvez o grande mote de suas obras seja o da intimidade. Isto feito de maneira sensível, e então se passa por recintos de família, conversação contida em bares depois do expediente, quando não temperada pela embriaguez, reuniões familiares ou entre amigos do passado, a rememorar, a dissidir, a pôr em perspectiva uma mudança para o futuro, a tramar algum plano alcoviteiro.
Diria que Começo de Primavera (1956) é o que representa melhor o que Natalia Ginzburg tratou de maneira minuciosa como o problema das relações humanas: preocupação da subsistência vindoura, os problemas do trabalho, aposentadoria, transporte coletivo, rotina, a agitação urbana, a falta de tempo, a angústia e desejo de mudar a própria vida, o tempo dos outros, o amor, a morte. Aqui se tem tudo, repito.