10/05/2024
Um apanhado de figuras esplendorosas dá a ideia de criação de um punhado de papéis de palavras afetivamente generosas em seu espírito. Ou melhor, a despeito da intenção que as inspirou, têm uma aplicação vaga, imprecisa, incerta.
Por óbvio, com o tempo se acerca junto da precisão de cada palavra, é verdade, mas também se escancara o peso do não dito, da ironia e da dissimulação.
Diverte, empolga, não é de todo estranho estalar o estar zombeteiro, rir de episódios, rememorar para rir. Nem mergulhar nos acontecimentos de futebol: as polêmicas recentes de arbitragem, os pontos corridos, as campanhas de times surpreendentes, as fases classificatórias, as ligas europeias, as promessas, as histórias de superação, o espetáculo físico, e também nas coisas caras ao destino do país, como a acirrada arena política, o vislumbre da próxima corrida eleitoral, e a projeção das teias do poder pode ser algo tão sedutor! Fiar de maneira elegante pensamentos a respeito das causas, dos caminhos possíveis, dos acordos e associações, dos interesses em jogo. Das tendências nefastas, no lugar de quadro soturno e desesperado, extrair o brilho das virtuosas políticas públicas. Falar de obras com reverência e animação, indicar o que marcou a si, para que continue a marcar, para que os outros também sintam a energia e amor à arte, para que surjam conversas reverentes e animadas. Até que o riso se desenha incontornavelmente artificial, se cala, a astúcia hesita, se vê rombuda, e o que seduzia e animava são movimentos perdidos de algo que é só paralisia.
Se alça à mão um estado, uma situação relatada da vida de um amigo, para o olhar de um pensamento frio, e como então tudo é cristalino, entrelaçado nos desarranjos das coisas da vida embora: sim, apesar do infausto relatado, a partir de um olhar perscrutador da situação se tem os subsídios indicados para a ação bem acabada e redentora. Reside nos conselhos certo destemor cuja nobreza faria rir se confrontada com o seu acanhado mensageiro. Seja como for, não se projeta esse contraste, e as amizades se esvaem por outros caminhos.
Pela arte, vencer tudo, esticar do lodo o triunfo, escrever inapelavelmente. Se alça à mão a altivez expressiva de um mestre consumado. E foi preciso perceber a tenaz consciência não como uma graça, e o que se pretende saber não altera em nada a cor do céu, cujo amplo horizonte, prenhe de ar revigorante, pelo contrário, pode se tornar inacessível, por ter sido perdido o tato.
E assim, tenho novamente a carta. Certamente dispõe de palavras de sentido preciso, maduro, foi fermentada num obstinado sentimento de querer bem, que se percebeu nobre. E também talvez seja uma manifestação meramente de literatura, com a disposição e caminhos das palavras a darem voltas que, fora do ofício literato, são supérfluas, tortuosas, confusas, e que talvez coloquem em dúvida a ideia de precisão e maturidade, e o que se pretendeu dizer ecoa vazio.
E assim, talvez dizer o simples e essencial, de maneira precisa, tenha me escapado, e essas cartas todas passam a ser o hermético perdido. Certas vezes me vêm à cabeça palavras que, ao serem pronunciadas, sinto, viriam a travar minha língua, mesmo as simples e curtas, por se mostrarem de repente tão irreais, por duvidar de seu sentido, e então, no mesmo instante, tento puxar outras. Mesmo que a palavra ideal me venha rápido, de maneira a casar muito bem com o restante, ainda assim algo dá um peso de não dito.
E assim, não sendo, a rigor, um artífice deste ofício, apenas padeci de sua maldição, e o movimento das mãos e os sonhos fazem a verdade ser mentira, a nobreza, miséria.